quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

SOPA e prisão para todos!

Entre algumas centenas de pessoas que conheço, uma infíma percentagem (provavelmente) não faz uso indevido de conteúdos sujeitos a direitos de autor. Desse grupo restrito, todos os elementos têm mais de 70 anos, possuem uma vaga noção do que é um computador e nunca navegaram na internet! A música que escutam chega ao ouvido pelas emissoras de rádio e quanto a séries e filmes, assistem apenas às emissões da TV.
Por outro lado, se lhes pedir opinião acerca de filosofias mais recentes tal como “Creative Commons” ou “Open-Source”, certamente ficarão mudos, sem a mínima noção acerca do que me refiro.
Quanto aos menores de 70, se a SOPA fôr aprovada, arriscam-se, na melhor das hipóteses, a ficar privados de Facebook, Twitter, Youtube, etc. e, na pior, a "ir de cana". Haja prisões para tanta gente!

Tenho a argumentar que sou totalmente a favor da defesa de propriedade intelectual. E reconheço que a criação e produção de conteúdos de qualidade dá muito trabalho e despesas avultadas. Contudo, a questão vai muito mais além.

“Copyrights” ou Direitos de Autor é um tema algo complexo e nebuloso, sobretudo à lupa jurídica. Cito apenas três exemplos bem concretos e mainstream, que se estendem a milhões de outros, levados ao exagero para ilustrar o ridículo da SOPA: o blockbuster cinematogáfico 2012, o tema musical “Assim você me mata” e, por fim, um qualquer livro de matemática.
A base do filme 2012 assenta em factos científicos constatados muito antes da realização do filme. O “autor” do argumento apropriou-se de propriedade intelectual fruto de pesquisas cientificas. Será que o orçamento do filme contemplou algum cientista responsável por essa constatação?
O tema musical referido assenta numa sequência de acordes (8 5 6 4) comum a centenas ou milhares de outros temas que fizeram tanto ou mais sucesso. Será que algum deles pagou direitos de autor ao criador dessa sequência de acordes? Ou, no caso do Michel Teló, ao povo brasileiro, pelo seu hábito cultural de utilizar expressões idiomáticas como “Nossa!!!” e “Delícia”?
Largos milhões de livros de ensino de matemática (ciência já quase milenar) são vendidos (impingidos) anualmente em todo o mundo. Nenhum conteúdo é propriedade intelectual dos “autores” que constam nas capas. Será que as editoras repassam alguma porção das receitas a quem inventou e desenvolveu a matemática?
Quero com tudo isto defender que, se fôr para sermos radicais com este assunto (como o demonstram ser os “cozinheiros” da SOPA), teremos que exigir clarificação total acerca de quem inventou cada mínimo detalhe, entre os milhares ou milhões que compõem um filme, música, livro, documento, etc... Justiça é justiça! Imagine-se o trabalho e a complicação.

“Nada se cria, nada se perde. Tudo se transforma.” E a internet veio acelerar irremediávelmente a transformação de muitas indústrias e conceitos, obrigando a repensar diversos modelos de negócio.
As indústrias cinematográficas, discográficas, editoriais, etc., reconhecem há mais de 10 anos a ameaça trazida pela internet. Acima de tudo, foram os modelos de produção e distribuição de conteúdo que sofreram severas alterações nos seus modelos de negócio. Algumas empresas adaptaram-se, outras nasceram entretanto. Umas definharam enquanto outras vingaram. Tudo de acordo com a dinâmica do mercado. Adapte-se ou desapareça!
Mas nem todos souberam (ou quiseram) se adaptar a estas novas realidades mais democráticas. Por mera coincidência, são os mesmos que suportam e tentam impingir à sociedade esta SOPA não-sei-de-quê, com um tempero bem amargo.
Mesmo plenamente cientes de que a pirataria digital se tem vindo a massificar e intensificar, creio que Hollywood nunca produziu tanto conteúdo. Veja-se a explosão de séries televisivas dos últimos 10 anos. Será que os estúdios andam a trabalhar de graça?
Que se criem e desenvolvam formas de compensar a propriedade e trabalho intelectual, mais justas e atuais, adequadas à realidade dos dias de hoje. Esqueçam-se as práticas da época em que os nossos avós eram jovens. E não aceitemos que nos forcem a engolir SOPAs que a vasta maioria não deseja tomar.

1 comentário:

  1. Hoje em dia a indústria cultural tem de começar a produzir e a criar tendo em conta a Internet e o que ela nos traz. O conceito de artista como um ser inatingível e o conceito de arte como algo irrepetível não pode continuar a existir nos mesmos termos que sempre existiu. A verdade é que se devem proteger os direitos da propriedade intelectual. Estou de acordo em que um artista deve preservar a sua obra e não permitir que outra pessoa a copie e lucre com isso. No entanto, não podemos ser extremistas e começar a tentar encontrar cópias ou apropriações em todo o lado. A arte democratizou-se, liberalizou-se e, apesar de continuar a ter autores, passou também a ter uma participação muito mais activa do público. Não podemos pensar que a internet chegou para destruir o negócio às discográficas ou às produtoras... a Internet chegou também para que a usemos a nosso favor. Muitos filmes fora da esfera hollywoodesca só chegam aos quatro cantos do mundo por causa da sua divulgação na Internet. Talvez os artistas comecem hoje a ganhar mais, não por terem gravado um filme mas pela publicidade que se gera em volta desse filme e a divulgação que tem na internet. E isso não poderia existir sem a gravação do próprio filme... não sei se me estou a fazer entender... Hoje em dia quem quer ser cantor grava-se e posta-se no youtube... isso nao faz dessa pessoa um bom cantor... é o público quem decide. No final será sempre o público a decidir (massivamente ou em minorias porque felizmente há gostos para tudo) se uma obra ou um artista valem por si ou se preferem as cópias. Quando um negócio (mesmo sendo cultural) está a deixar de dar lucro, temos de nos reinventar!

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